Irradiação de sangue e hemocomponentes é primordial para preservar vidas
20 de Dezembro de 2018
Produzido na medula óssea, o sangue circula pelo nosso sistema vascular, com células em suspensão em um meio fluido, o plasma, e tem a função básica de manutenção da vida. Para isso transporta entre todos os tecidos e órgãos do nosso corpo oxigênio, gás carbônico, impurezas, nutrientes, hormônios e outras substâncias essenciais. As células sanguíneas, em uma classificação básica, são glóbulos brancos ou leucócitos (integrantes do sistema de imunização e defesa), glóbulos vermelhos ou hemácias (responsáveis pelo transporte de oxigênio) e plaquetas (responsáveis pela coagulação sanguínea).
O sangue e seus hemocomponentes contribuem decisivamente para a recuperação do organismo com a circulação no sistema vascular, em tecidos e órgãos - Foto: Antônio Pereira Santiago |
O sangue pode ser retirado ou acrescido ao corpo humano de forma total ou acrescido por meio de seus hemocomponentes isolados e concentrados, de maneira a contribuir para a recuperação do próprio sistema vascular, dos tecidos e órgãos e para a consequente revitalização do nosso organismo.
E, para uma eficiente revitalização, o sistema de transfusão sanguínea conta com o apoio de prestação de serviço do Laboratório de Irradiação Gama (LIG), do CDTN. Isso porque, de acordo com o pesquisador Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo., entre suas diversas atividades, o LIG utiliza a irradiação gama para inibir, no sangue ou em seus hemocomponentes, os elementos de incompatibilidade e preservar a funcionalidade de leucócitos, hemácias e plaquetas. Uma atividade necessária na medida em que a transfusão de sangue é extremamente valiosa para a medicina, essencial para salvar vidas.
À primeira vista a transfusão sanguínea é um procedimento muito simples, baseado na compatibilidade de grupos do sistema ABO e fator Rh. Mas, aqui mesmo começa a complicação. A prevalência de alguns desses grupos na população varia em função de origens geográficas e de heranças genéticas. Por exemplo, um receptor com tipo sanguíneo “O” negativo, só pode receber sangue do mesmo tipo, embora possa ser doador para todos os outros tipos.
Como apenas 9% da população tem essa tipagem, isso faz com que todos os bancos de sangue sofram com a falta desse tipo sanguíneo em estoque. Em muitas ocasiões cirurgias eletivas (previamente marcadas) precisam ser adiadas porque esse estoque não pode se esgotar, como prevenção para necessidade em cirurgias emergenciais. Por isso, a Fundação Hemominas (Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais) promove campanhas constantes para obter doadores desse tipo de sangue.
A situação se complica ainda mais se considerarmos a imunologia das pessoas. Os leucócitos são considerados os principais agentes que efetuam a resposta imunológica, da defesa do interior do organismo contra a invasão do corpo por elementos estranhos, microrganismos e substâncias não próprias àquele corpo, os chamados antígenos. Aqui entra uma outra importante variável além dos grupos sanguíneos: o sistema HLA – sistema Antígeno Leucocitário Humano. E isso se desdobra em algo mais complexo, conhecido em imunologia como MHC – Complexo Principal de Histocompatibilidade (histo, que derivado do grego, significa tecido; tratando-se, portanto, da compatibilidade entre tecidos).
Todo o sistema imunológico funciona à base de uma sinalização mediada por moléculas e fragmentos moleculares, os antígenos. A informação molecular é captada por meio de aglomerados proteicos na superfície celular e todas as células nucleadas dos vertebrados possuem esses aglomerados, essenciais aos processos de sinalização. Trata-se de um maquinário molecular selecionado pela evolução dos seres vivos para proteger o organismo.
A variabilidade genética e a hereditariedade clássica nos ensina que os tecidos e, consequentemente, a memória imunológica não são idênticos entre indivíduos diferentes. Daí surge a histoincompatibilidade, que faz com que órgãos ou tecidos de pessoas diferentes não possam ser transplantados de maneira simples e possam sofrer a rejeição. Isto é conhecido na medicina como Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH).
O Laboratório de Irradiação Gama do CDTN possibilita a inativação dos Linfócitos T e evita a consequente rejeição do sangue e hemocomponentes - Foto: Antônio Pereira Santiago |
Com a imunologia, a hematologia se diversificou muito, fazendo surgir na clínica médica a hemoterapia. Para transfusões, os componentes do sangue são separados em soro, hemácias, plaquetas e leucócitos, podendo ser aplicados como sangue total ou apenas como componentes isolados. Mas nessa separação, os filtros de leucócitos correntemente utilizados não permitem um nível de remoção que garanta a prevenção efetiva da doença. Lembrando que a memória imunológica é carregada pelos leucócitos (mais precisamente pelos linfócitos), é primordial aferir a sua incompatibilidade antes de transfusões, prevenindo a doença conhecida como Doença do Enxerto Contra Hospedeiro Transfusional (DECHT).
Conforme descrito em artigo da Revista da Associação Médica Brasileira (nº 45, de setembro/1999), a DECHT é síndrome rara e geralmente fatal. Essa complicação depende do número e da viabilidade dos linfócitos T presentes no componente a transfundir, da susceptibilidade do sistema imunitário do doente e do grau de disparidade existente entre antígenos HLA do receptor e do doador.
Os médicos especialistas dispõem de diversos meios para prevenir a DECHT. Uma delas é a irradiação do sangue ou de hemocomponentes. A irradiação gama é, até o momento, o método mais eficaz e fácil para inativar os linfócitos T dos hemocomponentes transfundidos.
Conforme prescrição do Ministério da Saúde (Portaria MS/GM no 158 de 04/02/2016, no artigo 114, § 1º) a dose de irradiação aplicada deve ser entre 15 e 50 gray, sendo de 25 gray a dose recomendada na irradiação sanguínea. Gray a unidade no Sistema Internacional (SI) e é uma medida da energia depositada em um meio pela radiação ionizante.
Sangue e hemocomponentes irradiados no LIG do CDTN melhoram as perspectivas de uma doação de sangue ou de seus hemocomponentes ser aceita por outro organismo humano - Foto: Antônio Pereira Santiago |
Nesse procedimento, a irradiação do sangue ou dos hemocomponentes inibe a expressão de moléculas de sinalização (Interleucina 1) e de proteínas de membrana (CD80 e CD86) envolvidas com o sistema de defesa do organismo, impedindo a estimulação dos linfócitos T. A funcionalidade dos outros tipos de leucócitos, hemácias e plaquetas é preservada, desde que esses componentes não sejam armazenados por períodos prolongados após a irradiação. No CDTN, essa irradiação sanguínea é feita de forma contínua no Laboratório de Irradiação Gama (LIG).
O último teste de uniformidade do campo de irradiação no exterior e no interior das bolsas de hemocomponentes e sangue total conduzido no LIG, com dosímetros fricke fornecidos e processados na Divisão de Reatores e Radiações (DIRRA) do CDTN, pela Seção de Dosimetria das Radiações (SECDOS), geradora de um Relatório de Validação, indicou uma dispersão de resultados de apenas ± 3,12%, para um intervalo de confiança de 95%. Ou seja, o LIG /CDTN executa, assim, um serviço importante à preservação da vida, com um elevado grau de qualidade.
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