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A importância das medições e estimativas de doses de radiação incorporadas

20 de Setembro de 2018

A utilização das radiações ionizantes em Medicina Nuclear tem gerado benefícios comprovados para a sociedade. Nesses procedimentos, os elementos radioativos, também chamados de radioisótopos, agregados a substâncias com alguma afinidade biológica, os radiofármacos, são utilizados para geração de imagens para diagnóstico ou na terapia de doenças como o câncer. E a depender da função do radiofármaco, podem ser utilizados radioisótopos emissores de radiações beta, gama e, mais raramente, alfa.

Como as partículas beta penetram pouco nos tecidos humanos e depositam quase toda sua energia localmente, os elementos radioativos que emitem esse tipo de partícula podem ser utilizados em tratamentos, já que elas depositam altas doses nos tecidos-alvo e baixas doses nos órgãos sadios. Por outro lado, elementos radioativos emissores de fótons geralmente são mais adequados para a realização de exames diagnósticos, na medida em que esse tipo de radiação atravessa o corpo com facilidade e pode ser captada por um detector externo. Os dados gerados por esse sistema de detecção fornecem informações sobre os processos fisiológicos e metabólicos que ocorrem em nossos órgãos, tecidos e células.

Os radiofármacos são normalmente injetados no corpo humano e isso resulta em exposições dos usuários às radiações ionizantes. Os trabalhadores responsáveis pela fabricação ou pela aplicação dos radiofármacos apresentam risco de exposição a campos externos de radiação ou de contaminação com radioisótopos. Ou seja, o manuseio de fontes radioativas não-seladas, aquelas em que o material radioativo não está hermeticamente encapsulado, ou a simples presença em ambientes contaminados com radioisótopos podem resultar em incorporação de material radioativo. E a ingestão e a inalação são as principais vias de contaminação interna com elementos radioativos.

Foto Bruno LDI
Pesquisador do LDI do CDTN, Bruno Melo Mendes
Foto: Antônio Pereira Santiago

Em virtude desses riscos, de acordo com o pesquisador do CDTN Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo., as doses absorvidas nessas exposições têm que ser estimadas para garantir que os benefícios originários das aplicações superem os riscos inerentes ao uso das radiações ionizantes. Por princípio, deve-se assegurar que as exposições sejam tão baixas quanto razoavelmente possíveis. E aí passam a ser elementos primordiais o controle e a verificação dos efeitos que a dose de radiação ionizante pode ter sobre o organismo humano.

Para atender a essa demanda é que foi estruturado no CDTN, o Laboratório de Dosimetria Interna (LDI). Ele é responsável pela aplicação e desenvolvimento de metodologias capazes de estimar a atividade incorporada de radioisótopos e de calcular a dose absorvida devido à sua deposição no interior do corpo.

Como a medição direta da dose nos órgãos do corpo hoje é inviável em termos práticos, especialmente em seres humanos, por demandar procedimentos invasivos, a dose absorvida pode ser estimada por meio de medições indiretas, na superfície da pele ou no interior de cavidades naturais do corpo humano ou por cálculos analíticos.

Uma abordagem alternativa bem-sucedida em avaliações dosimétricas é feita com modelos computacionais que utilizam códigos de Monte Carlo para simulação do transporte de energia das radiações ionizantes e cálculo de doses. O principal código de Monte Carlo utilizado no LDI é o MCNP (Monte Carlo Neutron Particle Code), um código versátil, validado e capaz de realizar o transporte de diversos tipos de partículas (fótons, elétrons, pósitrons, nêutrons, prótons, íons leves e pesados, etc.) em faixas de energias compatíveis com a grande maioria das aplicações das radiações ionizantes.

Fig01
Fig.1 - Geometrias de contagem em uso no LDI, da esquerda para a direita: a. Contador de Corpo Inteiro; b. Sistema de Contagem de Cabeça; c. Sistema de Contagem de Tireoide.

O MCNP utiliza modelos computacionais, também denominados fantomas, concebidos com a forma humana (antropomórficos) e com proporções e medidas das diversas partes do corpo (antropométricos). Tais modelos são desenvolvidos de forma que os materiais simulados apresentem composição química e densidade tecido-equivalentes.

Os fantomas voxelizados, também conhecidos como fantomas tomográficos, já apresentam uma estrutura mais complexa e são construídos por meio da combinação de vários elementos de volume simples (cubos ou paralelepípedos) denominados voxels. Eles, normalmente, são criados a partir de imagens tomográficas de corpo inteiro, onde cada imagem (corte por corte) passa por um processo de identificação dos tecidos e órgãos de interesse e um número (ou código, ou cor) único é atribuído aos pixels referentes a cada tecido ou estrutura radiologicamente importante. Tal processo também é denominado de segmentação. Os cortes tomográficos segmentados são empilhados, formando, então, um modelo computacional tridimensional. 

E é com base nessas referências e necessidades que o Laboratório de Dosimetria Interna realiza a monitoração dos trabalhadores do Reator TRIGA e da Unidade de Pesquisa e Produção de Radiofármacos (UPPR) e tem procurado estender seu atendimento a outros serviços do CDTN. Atualmente, para estimar atividades incorporadas por contaminação interna o LDI possui e utiliza três sistemas de contagens (Fig.1): o Contador de Corpo Inteiro (CCI), o Sistema de Contagem de Cabeça e o Sistema de Contagem de Tireoide.

Fig02
Fig.2 - Fantomas computacionais voxelizados masculinos, femininos e infantis utilizados no LDI, nas simulações com códigos de Monte Carlo.

O pesquisador e responsável pelo LDI, Bruno Melo Mendes, tem desenvolvido algumas linhas de pesquisa de forma a permitir o aumento da confiabilidade de seus resultados, melhorar a eficiência de contagem dos sistemas disponíveis e ampliar o público que pode ser monitorado em suas instalações.

Assim, têm sido realizados estudos computacionais para avaliar as fontes de incerteza dos sistemas de monitoração do LDI. Fantomas computacionais (Fig.2) desenvolvidos no LDI ou cedidos por instituições parceiras [1, 2, 3] foram implementados para o código MCNP e os trabalhos executados até o momento permitiram a identificação de duas grandes fontes de incerteza: a variabilidade anatômica humana e erros de posicionamento do detector.

Outra linha de pesquisa do LDI é direcionada ao aprimoramento, desenvolvimento e produção de fantomas físicos para calibração experimental dos sistemas de monitoração in vivo. E, para isso, quatro fantomas já foram desenvolvidos (Fig.3). O fantoma Pet-Bomab, produzido com materiais de baixo custo, viabilizou a calibração do Contador de Corpo Inteiro (CCI). Além disso, os fantomas de cabeça de criança, de adulto [4] e do adulto de referência da ICRP (International Commission on Radiological Protection), possibilitaram a validação experimental do estudo quanto às incertezas associadas às variações anatômicas.

Fig03
Fig.3 - Fantomas físicos desenvolvidos no LDI, da esquerda para a direita: a. fantoma de cabeça de feto; b. fantoma de cabeça feminina; c. fantoma de cabeça masculina; e d. fantoma de corpo inteiro Pet-Bomab.

Já no campo da Medicina Nuclear, a Unidade de Pesquisa e Produção de Radiofármacos (UPPR) do CDTN tem empregado grandes esforços no desenvolvimento de novos radiofármacos. E como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) determina que, para a obtenção do registro de um novo radiofármaco, deve ser estabelecida a dose de radiação depositada por meio de avaliações dosimétricas em modelos humanos e animais apropriados, desenvolveu-se no LDI, uma linha de pesquisa voltada para a dosimetria computacional de radiofármacos. 

As metodologias para dosimetria computacional de radiofármacos já foram desenvolvidas e validadas (Fig.4), possibilitando estudos dosimétricos da 18F-Fluorcolina (FCH) e da 18F-Fluortimidina (FLT), radiofármacos utilizados em diagnósticos tridimensionais, com órgãos em funcionamento e imagens captadas por um Tomógrafo por Emissão de Pósitrons (PET). Para isso, são utilizados os fantomas voxelizados de referência da ICRP. Estes estudos já foram publicados pelos pesquisadores do CDTN [5, 6].

Fig04
Fig.4 - Imagens demonstrando padrões de deposição de energia de diferentes radiofármacos no fantoma masculino de referência da ICRP e um estudo dosimétrico realizado no fantoma de camundongo DM_BRA do LDI.

Já a dosimetria da Cisplatina marcada (composto inorgânico, que tem importante ação antitumoral) encontra-se em andamento. Como também estão sendo realizadas avaliações dosimétricas pediátricas com outro radiofármaco utilizado em diagnóstico com PET, o 18F-Flúordesoxiglicose (FDG). Além disso, para análise das doses em ensaios pré-clínicos de novos radiofármacos foi desenvolvido ainda um fantoma de camundongo.

Trata-se, então, de um Laboratório de Dosimetria Interna em franco desenvolvimento de suas atividades e com boa perspectiva de crescimento para atender a estes estudos e demandas.

Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. - jornalista

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