A Nanomedicina Teranóstica para diagnósticos e tratamentos mais precisos do câncer
20 de Setembro de 2018
O câncer é uma das principais causas de morte no mundo civilizado, sendo uma doença difícil de ser tratada, ainda mais após diagnósticos tardios. Os tratamentos mais tradicionais, além de preverem a remoção cirúrgica dos órgãos e tecidos afetados, incluem seções de quimioterapia e radioterapia com o objetivo de provocar destruição de células cancerosas ou o bloqueio do crescimento dessas células com a aplicação de drogas e radiações
Entretanto, existem algumas barreiras que limitam e dificultam os tratamentos do câncer por quimioterapia e radioterapia convencionais. Dentre essas barreiras podemos destacar a não especificidade de ação dos quimioterápicos e das radiações exclusivamente em células com tumores. Essa falta de especificidade faz com que tanto as drogas quanto as radiações utilizadas nessas terapias destruam, também, células saudáveis no organismo dos pacientes, levando a uma série de efeitos colaterais e restringindo as doses que podem ser aplicadas. Além disso, as drogas empregadas em quimioterapia podem ser retidas no organismo, sofrendo degradação e impedindo que as células com tumores recebam a dose necessária para o tratamento.
Para contornar esses problemas, estão sendo pesquisadas novas abordagens para entrega específica dos agentes químio e radioterápicos nas localizações dos tumores. Uma abordagem bastante promissora tem sido o uso de nanomateriais como veículos de transporte de fármacos e elementos radioativos a estas células com câncer. Os nanomateriais têm escala de tamanho um milhão de vezes menor do que o milímetro. Nessa escala, os materiais podem se acumular seletivamente e espontaneamente em regiões com tumores, evitando acúmulo em tecidos sadios. Os nanomateriais podem ainda ser modificados quimicamente para aumentar a especificidade de ação em células cancerosas e podem, também, encapsular drogas e radioisótopos, servindo como plataformas de entrega controlada desses agentes de tratamento. O estudo dos nanomateriais está vinculado a tecnologias que podem reunir propriedades muito específicas a esses materiais e são chamadas de nanotecnologias.
Fig.1 - À esquerda, esquema de como a porosidade aumentada dos vasos sanguíneos em regiões tumorais favorece o acúmulo seletivo de nanopartículas; à direita, como as funcionalizações com moléculas específicas podem resultar em um direcionamento ativo com internalização das nanopartículas em células cancerígenas, permitindo tratamento e diagnóstico simultâneos através da combinação multifuncional de fármacos quimioterápicos e radioisótopos. |
Assim, contribuições recentes de pesquisas em nanotecnologia já estão disponibilizando soluções para algumas dessas questões tão complicadas, com o desenvolvimento do que chamamos de nanomedicina. Tais soluções se encontram com a capacidade de superar as barreiras celulares e fisiológicas por meio da manipulação das diversas propriedades das nanopartículas.
Contudo, mesmo nesse nível nanométrico de superação de barreiras fisiológicas, alguns desafios ainda permanecem em relação à certeza da entrega dessas drogas nas células cancerosas, bem como a possibilidade do acompanhamento do sistema de entrega em tempo real e controle efetivo sobre a liberação desejada das drogas e elementos radioativos, depois que são transportados para o local de tratamento.
Isto reforça o quanto uma doença complexa como o câncer requer abordagens inteligentes, nas quais o diagnóstico e as terapias sejam integradas e aconteçam “ao mesmo tempo”, em uma abordagem chamada de teranóstica.
Trata-se, assim, de uma plataforma de tratamento que combina o teste de diagnóstico com uma terapia específica e que, baseada nos resultados do teste, é um passo significativo para a medicina personalizada, com o uso de materiais nanotecnológicos e suas aplicações. Desta forma, os nanomateriais teranósticos podem ser entendidos como sistemas integrados multifuncionais que podem diagnosticar doenças e aplicar terapias em alvos específicos e, ao mesmo tempo, monitorar a resposta a esta terapia.
Por tudo isso, a eficácia de uma formulação em nanomedicina é considerada superior à dos fármacos tradicionais, dada por sua acumulação seletiva em locais afetados pelo câncer e pela diminuição de danos aos tecidos saudáveis, resultando em uma entrega controlada dos agentes de tratamento e proporcionando maior eficácia das terapias devido à redução da toxicidade nas intervenções químio e radioterápicas.
Além de possibilitar uma nova abordagem no tratamento do câncer, os nanomateriais podem ser modificados com alguns elementos que permitem suas aplicações em técnicas de diagnóstico por imagem por meio dos métodos da ressonância magnética (RM) e medicina nuclear. Nesse processo, fármacos e agentes de imagem podem ser combinados em uma única plataforma que torna possível o estudo de como esses sistemas se distribuem no organismo.
Os estudos e os resultados obtidos no CDTN
Marcelo Fernandes Cipreste e a líder do grupo de pesquisa, Edésia Martins de Barros Sousa. Foto: Antônio Pereira Santiago |
Os estudos da nanomedicina teranóstica no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) têm a contribuição decisiva do grupo de pesquisa do Laboratório de Materiais Nanoestruturados para Bioaplicações (LMNB), liderado pela pesquisadora Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
Neste grupo, o doutor Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.defendeu recentemente um trabalho proeminente nessa área e publicou em 2016 alguns resultados de sua tese no Materials Chemistry and Physics, com fator de impacto de 2.084. Trata-se do trabalho intitulado Synthesis and characterization of 159Gd-doped hydroxyapatite nanorods for bioapplications as theranostic systems.
No trabalho mencionado, as nanopartículas de hidroxiapatita (HA) marcadas com gadolínio (HA-Gd), como portadores de radioatividade, foram consideradas promissoras e capazes de atuar no diagnóstico do câncer por meio de múltiplas técnicas de radiodiagnóstico como a cintilografia e os sistemas de imagem por ressonância magnética, de forma concomitante ao tratamento. Neste trabalho, as nanopartículas de HA marcadas com gadolínio foram sintetizadas com o objetivo de serem usadas como sistema teranóstico para câncer ósseo, os osteossarcomas.
Nestes estudos, as nanopartículas de HA-Gd foram sintetizadas, funcionalizadas com ácido fólico (AF) e caracterizadas por diversas técnicas que permitiram investigar as propriedades físico-química, morfológica e estrutural desse nanomaterial, além das propriedades magnéticas. Além disso, o fósforo e o gadolínio na amostra HA-Gd foram ativados por meio da técnica de captura de nêutrons, no reator nuclear TRIGA do CDTN, produzindo os radioisótopos fósforo-32 (32P) e gadolínio-159 (159Gd).
Os resultados destes estudos indicam que íons Gd+3 são incorporados na rede cristalina da hidroxiapatita pelo processo de substituição nas nanopartículas, apresentando grande estabilidade na interação HA-Gd. O gadolínio fornece propriedades paramagnéticas para as nanopartículas de HA, permitindo o uso desse material no diagnóstico do câncer por ressonância magnética (RM), e os radioisótopos 32P e 159Gd podem ser ativados dentro da matriz de HA, permitindo o uso desse material também no diagnóstico por cintilografia e na terapia devido às emissões de radiação beta do fósforo-32. Além disso, a funcionalização com ácido fólico permite o direcionamento ativo dessas nanopartículas para locais com câncer ósseo.
Pelas conclusões da pesquisa, a produção bem sucedida de AF/HA(159Gd-32P) torna este material um agente promissor para atuar como um sistema teranóstico, para diagnóstico e tratamento mais precisos do câncer.
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. - jornalista
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