Técnicas com traçadores têm muita eficiência na verificação da estabilidade de barragens
18 de Março de 2020
Uma das técnicas principais para verificação da estabilidade dos diversos tipos de barragens utiliza traçadores ambientais naturais estáveis e é baseada no fracionamento isotópico dos componentes da água. De acordo com o pesquisador emérito do CDTN, Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo., com essa técnica é possível distinguir águas de diferentes origens, como por exemplo, distinguir águas do reservatório das barragens (mais evaporadas), daquelas superficiais vizinhas à barragem e das subterrâneas presentes nos aquíferos locais (menos evaporadas). O uso dos traçadores, integrado com outros ensaios geotécnicos, segundo Rubens, permite obter informações estratégicas sobre a estabilidade das barragens.
Testes com traçadores podem ser utilizados na investigação de padrôes de fuga de águas em diversos pontos das barragens e demonstram diferentes conexões hidráulicas entre os pontos de injeção, os de detecção e as velocidades dos fluxos - Divulgação |
O método dos isótopos naturais estáveis possibilita a detecção de riscos em barragens em estágio bem inicial do processo, pela sensibilidade do método de detecção usado: a espectrometria de massas. Trata-se de um método bem simples e não intrusivo, que demanda basicamente coletas de água e análises laboratoriais e que permite que providências corretivas sejam tomadas a tempo. São importantes nos estudos hidrológicos as razões entre os isótopos estáveis (não radioativos) de Hidrogênio (2H/1H), de Oxigênio (18O/16O) e de Carbono (13C/12C).
Amostras de águas superficiais e subterrâneas são coletadas para análises químicas, físico-químicas e isotópicas, em diferentes locais na barragem e nas suas vizinhanças. Os resultados destas análises servem para identificar e avaliar os principais processos sofridos pelas águas ao fluírem dentro da barragem, no aquífero em estreito e longo contato com as rochas e solos, bem como nos cursos da água a montante (anterior à barragem) e a jusante (posterior, na sequência do fluxo).
A análise da água a jusante da barragem, por exemplo, verifica a existência de fluxos verticais, a direção e a magnitude do fluxo das águas subterrâneas. As águas subterrâneas representam um fator vital para a estabilidade das barragens e é uma necessidade nesse tipo de avaliação o conhecimento dos processos de percolação, evaporação, liquefação do dique, além da interação entre águas de diferentes origens.
Rubens Moreira explica que águas de diferentes locais ou fases são diferenciadas porque têm razões isotópicas diferentes. Isso acontece porque a razão isotópica da água sofre alterações, conhecidas por “fracionamento”, ao passar de uma fase para outra (de líquida para gasoso, quando evapora; de gasoso para sólido, quando se cristaliza nas nuvens; de sólido para o líquido, quando precipitam como chuvas), ao participar de reações químicas ou bioquímicas e outros processos na natureza. Por causa da sua razão isotópica, “cada água” tem uma assinatura própria.
Foram realizados estudos também na mina Engenho D'Água, em Rio Acima (MG), abandonada pelos empreendedores em 2012, após extrair ouro por 10 anos, e que deixou um passivo com duas barragens de rejeitos - Divulgação |
As águas subterrâneas e de superfícies, representando estágios mais adiantados do ciclo hidrológico, já sofreram uma ou mais mudanças de fase, em seguida à evaporação inicial nos oceanos. Passaram, portanto, por diversos fracionamentos e tiveram alteradas suas correspondentes composições de isótopos, o que se reflete em suas respectivas assinaturas isotópicas.
Assim, águas que precipitaram perto ou longe dos oceanos, em menores ou maiores latitudes, em altitudes mais ou menos elevadas, que sofreram maior ou menor evaporação após a precipitação, que tiveram contato com diferentes rochas, durante mais ou menos tempo, em seus percursos no subsolo etc., se colocarão em posições específicas no diagrama de 2H x 18O, por exemplo.
Esta excepcional circunstância fornece um poderoso instrumento para identificar diferentes tipologias de águas, localizar zonas de recarga, inferir intensidades de evaporação, medir a extensão de misturas e conhecer que componentes dela participaram, entre outros parâmetros que dão ciência do histórico da água e podem, desta forma, embasar ações de gestão hídrica ou corretivas, quando necessárias.
Para esses estudos, segundo Rubens Moreira, além do 2H e do 18O, o outro isótopo estável natural de interesse é o 13Carbono, na medida em que se relaciona com o ciclo desse elemento no meio ambiente, o que o converte em excelente traçador da evolução dos compostos químicos com o carbono em água subterrânea.
Mapeamento Geotécnico e Hidrogeológico, com aspectos principais do solo, que permitiu que análises com traçadores naturais identificassem os sistemas de drenagem, declives e características de erosão, a infiltração nas geomembranas e a percolação de água contaminada nas barragens da mina do Engenho D'Água - Divulgação |
A absorção fotossintética do CO2 atmosférico, a sua difusão nos estômatos das folhas, a dissolução na seiva e a e posterior carboxilação, com a conversão a carboidrato, é acompanhada por relativa redução de concentração de 13C. Ao se decompor no solo a vegetação é convertida de volta a CO2 pelas bactérias aeróbicas, sendo que o gás mantém a mesma concentração de 13C da vegetação. Isto fornecerá indícios da rota tomada pela água subterrânea ao fluir nos aquíferos, adicionando mais uma peça no quadro de desvendamento de suas dinâmicas.
O pesquisador ainda enfatiza: "É preciso frisar que as investigações com radiotraçadores artificiais fornecem respostas mais precisas e medições de maior número de parâmetros do que quaisquer outros métodos".
Traçadores radioativos – Para o pesquisador Rubens Martins Moreira, outro parâmetro basilar a ser acrescido a essa análise é a “idade” das águas, medida pelo tempo de residência das mesmas nos compartimentos do ambiente em estudo. E estas durações podem ser determinadas com isótopos naturais radioativos: o 3Hidrogênio (trítio) e o 14Carbono. Ambos são emissores de radiações β (beta) fracas, de baixíssima presença na natureza e disponibilizados pelo contínuo bombardeamento do nitrogênio atmosférico pelas radiações cósmicas.
O decaimento desses isótopos, a partir da infiltração da água no subsolo, possibilita calcular a idade de uma determinada água. O trítio presta-se à avaliação de idades de água até aproximadamente 120 anos e o 14C mede idades até aproximadamente 60.000 anos. Caso a idade da água supere aproximadamente 100 anos, o que não ocorre em uma barragem ou em águas superficiais vizinhas, mas que é possível em algum aquífero na região, a melhor ferramenta para estimá-la será a dosagem de 14C. As idades das amostras também fornecem informações sobre as taxas de movimentação da água na bacia de rejeitos.
Seções transversais do mapeamento mostram o modelo conceitual do sítio estudado, com os resultados das análises oferecendo suporte à mitigação dos passivos ambientais e um desenho de solução definitiva para a mina abandonada, em Rio Acima (MG) - Divulgação |
Para complementar os estudos feitos a partir de isótopos naturais, se necessário, eventualmente podem ser empregados traçadores artificiais, para desvendar detalhes relativos ao sistema aquífero. Estes podem ser traçadores químicos (NaCl – medidos por condutivímetros), fluorescentes (rodamina WT, fluoresceína etc. – medidos por fluorímetros portáteis) ou radioativos (3H, na forma de água artificialmente enriquecida com o isótopo,131Iodo, na forma de uma solução de iodeto de potássio – KI, ou 82Bromo, na forma de brometo de potássio – KBr, ou ainda o 99mTecnécio, na forma de uma solução de pertecnetato de sódio – NaTcO4).
Como as meia-vidas (o tempo necessário para que a atividade de emissão de energia de um isótopo radioativo seja reduzida à metade) do 131I, do 82Br e do 99mTc são, respectivamente, 8 dias, 36 horas e 6 horas, o traçador é escolhido com base na velocidade dos fluxos e na consequente duração requerida para as medições. Desta forma o 82Br pode ser útil para pequenas barragens, o 131I para grandes barragens e o 99mTc apenas para medidas de fluxos.
Rubens Moreira destaca que a utilização dos radiotraçadores artificiais é programada segundo estritos critérios de radioproteção e de forma a garantirem perturbações negligenciáveis nos níveis naturais de radioatividade do local e que possam ser detectadas com precisão, levando em conta a extrema sensibilidade dos detectores de radiação.
Com base em todas essas técnicas de análise se verifica que a estabilidade de uma barragem está diretamente ligada à presença e ao fluxo da água através do dique, em estreito relacionamento com as águas superficiais e subterrâneas do seu entorno. “Técnicas isotópicas são, assim, ferramentas poderosas para determinar a origem, a quantidade e a velocidade dos fluxos das águas”, reforça Rubens. E acrescenta: “o estudo de suas relações com os isótopos radioativos naturais (3H e 14C), bem como o uso eventual de isótopos radioativos artificialmente adicionados (82BR, 131I, 99mTc), cada qual segundo as informações desejadas, podem ser complementares a esse ferramental”.
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